segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O apagão.


Minha cabeça fervilhava. Há dias fervilhava. Toca o telefone. Há meses fervilhava. Toca o telefone. Há anos fervilhava. Alô! Atendo com vontade de desligar. Volto a enlouquecer. Tenho notado que enlouqueço todos os dias. Um certo eu de mim mesmo me perturba volta e meia. É mais forte do que eu, mais veloz que a emoção, mais feroz que a razão. Algoz do meu instinto de bicho. Incoerente. Inconsciente. Impaciente. Irritante. Íntimo. Híbrido. Ah! Quantos adjetivos cabem nele! Esse meu íntimo complexo, convexo e tão frágil, sujeito às mais terríveis ofensas desse cérebro descabido, falido e descolado por vezes de mim. Enquanto fervilho o juízo, fervilhava o castigo já morno e sem sentido. Romance da vida a só. Sozinho no escuro devaneio. Apagam-se as cores, os sons e os sentidos. Na rua um barulho no poste. Apagam-se as casas, as luzes e as salas. Da minha janela agradeço o apagão. Era disso que precisava: falta de luz para enxergar por dentro. Um fósforo, uma vela, candeeiro nos olhos e desenhado em preto, na parede, descubro minha mão. Vejo que a sombra ali refletida é a pura essência daquilo que sou, fui ou ei de ser: um contorno de formas, fôrmas, rugas e manhas. Vou enlouquecendo, surtando, sofrendo, gerundiando já que não paro de fervilhar. E viro crosta no osso. Sem direito à reformas ou coisa parecida. Destinado à cinzas desde que, assim, desligue meu fogão.

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