segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Quem tem boca fala o que quer!


Esse dito popular, frase clichê, ditado desmedido, desaforo acomodado, ou sei lá como queiram chamar, desce seco em mim. Goela à baixo. Violento e não mastigado. E eu me pego assim ferido, assim fadado, assim doído. E me dizem: fique calmo, é um aviso. Essa coisa de falar, de dizer, de cuspir palavras ao vento nunca foi a minha. Essa tara de julgar, comentar e redizer me alucina, me entristece, repugna. Esse vício de jogar letras em frases descontínuo, desregrado, destemido fere o ouvido. Cega o instinto. Cala o ânimo. É preciso bom senso. Cada vez vejo menos. É preciso cautela. Sinto alvoroço. Essa capacidade do ser humano de cuspir palavras, digo cuspir porque é só o que se vê: opiniões infundadas, desrespeita o próprio dom da fala. Todos dizem o que querem, cospem o que querem, assim irresponsáveis, sem o mínimo cuidado com a própria boca, língua, fala solta. Pois é... Se quem tem boca fala o que quer... É bom que não pense pra falar... Continue cuspindo o seu talento de papagaio porque em terra de bocas quem pensa é rei.

O apagão.


Minha cabeça fervilhava. Há dias fervilhava. Toca o telefone. Há meses fervilhava. Toca o telefone. Há anos fervilhava. Alô! Atendo com vontade de desligar. Volto a enlouquecer. Tenho notado que enlouqueço todos os dias. Um certo eu de mim mesmo me perturba volta e meia. É mais forte do que eu, mais veloz que a emoção, mais feroz que a razão. Algoz do meu instinto de bicho. Incoerente. Inconsciente. Impaciente. Irritante. Íntimo. Híbrido. Ah! Quantos adjetivos cabem nele! Esse meu íntimo complexo, convexo e tão frágil, sujeito às mais terríveis ofensas desse cérebro descabido, falido e descolado por vezes de mim. Enquanto fervilho o juízo, fervilhava o castigo já morno e sem sentido. Romance da vida a só. Sozinho no escuro devaneio. Apagam-se as cores, os sons e os sentidos. Na rua um barulho no poste. Apagam-se as casas, as luzes e as salas. Da minha janela agradeço o apagão. Era disso que precisava: falta de luz para enxergar por dentro. Um fósforo, uma vela, candeeiro nos olhos e desenhado em preto, na parede, descubro minha mão. Vejo que a sombra ali refletida é a pura essência daquilo que sou, fui ou ei de ser: um contorno de formas, fôrmas, rugas e manhas. Vou enlouquecendo, surtando, sofrendo, gerundiando já que não paro de fervilhar. E viro crosta no osso. Sem direito à reformas ou coisa parecida. Destinado à cinzas desde que, assim, desligue meu fogão.