terça-feira, 22 de junho de 2010

A Torre de Babel vista de um olho só.

Certo dia estava eu, Gaspar Quintero, mais conhecido como Caolho, passando pela rua juntamente com meus dois companheiros de batalha: o aleijado e a bêbada. Quando tudo parecia perdido e os ânimos já desanimados ( o meu não, deixo claro!), eis que surge uma voz aos berros, um convite à revolução, uma porta que se abria para nós: os desalmados, os sem teto, os homens de bem. Era o grito desesperado de uma mulher, acho que a dona do castelo. Ela pedia ajuda, guerrilheiros, gente disposta a lutar. "Não tenho nada a perder", pensei. "Se ajudo uma rainha acho que ela pode me ajudar também". "Vamos ocupar!", gritei. "Nosso lema será: Comamos e bebamos que amanhã jejuaremos! Viva a Espanha!" Então entramos no castelo. Armados, atentos, prontos para tudo, dispostos a tudo.

O casarão era velho, mais velho do que eu pensava. Acho até que merecíamos coisa melhor. O teto parecia desabar, os móveis quebrados, o cheiro de mofo. Mas estávamos ali prontos para tudo, dispostos a tudo. Tinha uma gente metida, granfina, bem vestida. "Aquele lugar não era para eles", pensei. Eram fracos, medrosos, não tinham sangue nas veias. Não lhes dei importância. Acho que deviam ser hóspedes da rainha. Ela sim! Ela era imponente, guerrilheira, acreditava em nós. Eu faria sim tudo por ela. Uma mão lava a outra.

Estava com fome, fome de tudo: comida, gente, bebida, casa, fome de liberdade. Ali eu era livre. A rainha me deixou ser livre. Até nomeado Che Guevara fui! Fiquei importante! Mendigo nunca mais! As coisas foram mudando. Quiseram nos propor que ficássemos contra a Latídia. Achei estranho. Trair quem me ajudou? Mas se realmente ela for louca e cega? Já cansado de ser enganado fiquei mais atento. Não sairia ileso daquele castelo, algum proveito eu teria que ter. E tive. Fui chamado até de cavalheiro, fui reconhecido. Um conde falido me deu esse título enquanto chupava o buraco do meu olho. Já estava no lucro. Mas para garantir o meu vendi aquela gente toda no alto do castelo. Um leilão. Eram as únicas coisas que eu podia vender daquele lugar. Afinal quem compraria uma viga podre? Só me restava a carne humana mesmo.

Como alegria de pobre dura pouco, e a minha não seria diferente, o castelo veio a cair. Desabou tudo em cima de nós. Éramos todos iguais: mendigos, condes, criados. E assim, arrependido de quase ter traído a confiança daquela mulher que me deu abrigo e título de líder revolucionário, entreguei-me à sua causa. E juntamente com os outros donos do castelo construímos uma nova torre de babel. Era a hora de jejuar.

(Caolho. Meu personagem no espetáculo "Torre de Babel". Exercício de contrução do personagem)

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